Além do que se vê: abril 2011

Introdução

Trabalhar com a ideia de “sistema habitacional” abrange conceitos arquitetônicos, sociais, técnicos, funcionais, entre outros. Sempre se deve realizar uma densa pesquisa em cada um dos itens citados e principalmente: nas reais necessidades habitacionais.

Primeiramente o projeto deve partir de uma pesquisa com o suposto usuário do projeto, porém, no caso deste estudo, o projeto parte do usuário já utilitário do projeto, visando melhorias baseadas nas reclamações e necessidades surgidas a partir da ocorrente utilização do espaço. Estas informações podem surgir de APO’s – Avaliação Pós Ocupação e da analise de estudos teóricos e projetuais já existentes.

As habitações populares são o foco deste trabalho.

Estas por muitas vezes não atendem necessidades básicas e/ou mínimas daquilo que se pode entender como habitação. Habitação, a meu ver, seria um espaço que possibilitaria funções espaciais básicas ou necessárias para cada programa habitacional.

Não é o que acontece.

Habitações de caráter popular, principalmente quando vinculados a ~~programas políticos~~, aproveitam muito mal o espaço mínimo; não pensam no desenho do lugar porque isso demanda TEMPO e DINHEIRO, e quanto mais barato, melhor. Desconforto físico e comportamental referentes a sensações e ações mal realizadas no espaço como cozinhar, circular, dormir, descansar ou simplesmente “estar” o que gera desconforto e insatisfação ao usuário, podendo afastá-lo do lugar que deveria ser seu abrigo, seu espaço, seu “habitat”.

Muitos estudos e projetos são feitos com propostas de melhorias nas condições com as quais estas habitações são projetadas. A tecnologia e os materiais caminham juntos com ideias que contribuem para a melhoria do sistema habitacional.

O processo

No processo do desenvolvimento deste projeto, meu maior desafio foi conseguir pensar o sistema como partes que compõe o todo. Trabalhar o SISTEMA + MATERIAL + TÉCNICAS atendendo as necessidades, dos acessos e do espaço do programa.

Comecei pensando em PEÇAS que pudessem ajudar na realização do programa.

Essas peças em formato de “módulos” possibilita um leque de possibilidades racionais quase como uma brincadeira de LEGO - jogo este utilizado nas premissas desse projeto para melhor pensar a composição espacial.

Essas "peças" possuem 1,5m x 3m x 3m e 3m x 3m x 3m, basicamente.

Peça banheiro: 1,5m x 3m x 3m.

Peça cozinha: 1,5m x 3m x 3m.

Os materiais

O material deveria ser aquele possibilitasse diversas formas espaciais, flexibilidade quanto a AMPLIAÇÃO, redução, MODIFICAÇÃO e adaptação a diversas topografias e contextos urbanos. Deveria ser um material que chegasse ao local, tornando desnecessário um grande canteiro e mão de obra. Assim, a placa cimentícia e a OSB encaixadas a pilares de perfil “H” (10cm x 10 com) e vigas de perfil “I” (14cm x 6,6cm) foram as soluções encontradas.

Esses materiais são pré-moldados e a tecnologia a eles aplicada fornece de forma mais prática e funcional as mesmas instalações elétricas e hidráulicas de uma construção de alvenaria.

Croqui de encaixe de vigas, pilares e placas. Logo abaixo, em "detalhes", esquema técnico.

A placa cimentícia (1,2m x 3,00m) foi utilizada na face externa da vedação e para o piso, uma vez que suporta muito bem às intempéries, pode ser facilmente recortada, possui boa resistência e pode reforçar a ideia de segurança material ao morador.

Imagem ilustrativa de Placa cimentícia.

Já a placa OSB, foi utilizada na face e nas divisões internas. Essa placa é encontrada com tratamento anti-cupim e com boa resistência estrutural e a umidade, sem contar a facilidade de recorte da mesma, o que possibilita que móveis para estocagem, divisórias e portas, por exemplo, sejam feitas utilizando esse material. No meio das placas de vedação, formando um “sanduíche”, passa todo o sistema hidráulico, elétrico, térmico e acústico, conforme as necessidades da habitação.

Imagem ilustrativa de placa OSB.

Para a cobertura, a telha termo acústica foi utilizada engastada sobre as vigas metálicas em terças e cantoneiras do mesmo material em uma tesoura de chapa dobrada (5mm de espessura), fornecendo a inclinação necessária (em torno de 7%) para o escoamento da água. A telha termo-acústico, também conhecida como telha “sanduíche” (100mm de espessura), é formada por duas chapas metálicas exteriores e uma camada de “recheio” de poliuretano. Este possui baixo coeficiente de condutividade térmica (k), bom desempenho acústico e anti-chamas, além de não absorver água nem umidade.

Ilustração da telha termo acústico com preenchimento em poliuretano.

Exemplo de montagem utilizando esses materiais e formando um módulo:

1.telha termo acústico.

2. viga metálica perfil "I" (140mm x 66mm).

3. pilar metálico perfil "H" (100mm x 100mm).

4. placa cimentícia como vedação.

5. placa cimentícia como piso.

6. placa OSB como "recheio" de placas cimentícias.

Referências: projetos e materiais

Com a relação de materiais e com o sistema pensado, procurei referências projetuais que pudessem nortear opções de programa e de disposição espacial.

Partindo daí, achei alguns projetos que me ajudaram a visualizar como esses materiais podem fornecer conforto térmico, acústico e sensorial, uma vez que acho importante que o material transmita segurança física e material ao habitante.

O projeto SUITCASE HOUSE ( EDGE Design Institute - Pequim,China) , foi apresentado como referência projetual nas aulas teóricas e pesquisando sobre ele, pude perceber como a estrutura metálica e a vedação se "prendem", se colocam como peças que se "colam" formando o espaço.

Buscando ideias de volumes, materiais, formas e programas...

Living in box / IPERCUBO (3,3m x 3,3m x 3,3) - Arquiteto Giuseppe Mecca - Florença, Itália.

Refúgio São Francisco / São Francisco de Paula, Região serrana do RS - Studioparalelo - Porto Alegre.

Foi erguido com com steel frame, drywall e OSB.

Módulos de 1,2m x 1,2m.

Planta Baixa.

Corte.

Exemplo de Mobiliário de estocagem. "Swiss army".

Altear Relaxar. Sofá seguido de cama escamoteada.

LGM 002 - Cama de parede com rotação.

As OPÇÕES de programa

Bom, pensado sistema e seus materiais, as dimensões daquilo que se quer construir se tornam necessárias e como as dimensões estão diretamente ligadas ao programa que atenderá, três perfis foram lançados, são eles:

OPÇÃO 1 – uma pessoa morando sozinha;

OPÇÃO 2 – um casal sem filhos;

OPÇÃO 3 – uma família nuclear.

Esses perfis acarretam necessidades especiais de espacialidade e a ideia é “montar as peças” do sistema criado de modo a exemplificar a eficiência do mesmo.

Denominei cada perfil de moradores como OPÇÃO 1,2 e 3 pra melhor definir as necessidades de cada um. Nos primeiros estudos tive dificuldade em dispor os módulos de forma racional e de fazer o mesmo com os acessos, porém a cada pesquisa e orientação a articulação foi se tornando mais fácil.

Compreendido o sistema, as ideias começam a surgir sem muito sacrifício.

No desenho dos projetos: uma planta sobreposta a outra, multiplicando e mantendo os módulos.

Estudos de cada OPÇÃO.

A OPÇÃO 1 (45m² apenas um morador), necessita basicamente de 1 dormitório, um banheiro, um espaço para refeições e momentos de preparo das mesmas, mas que não necessariamente esteja disposto em formato de cozinha convencional e principalmente de um espaço que pudesse atender a necessidades como uma sala ou um escritório.

Primeiros estudo de layout da OPÇÃO 1.

Primeiros estudos de layout e disposição do sistema da OPÇÃO 1.

Primeiros estudos de elevações e aberturas da OPÇÃO 1.

Estudos de planta baixa, elevações e alguns detalhes da OPÇÃO 1. Pensando as 6 faces do módulo. Trabalho final feito em cima deste último estudo.

Estudos finais de layout OPÇÃO 1.

Processo.

Planta Baixa OPÇÃO 01 - esc.: 1:50

Corte AA OPÇÃO 01 - esc.: 1:50

Corte BB OPÇÃO 01 - esc.: 1:50

Perspectiva da OPÇÃO 01

Interior OPÇÃO 1

Aplicação da montagem, anteriormente exemplificada, no sistema da OPÇÃO 1.

Vídeo de uma animação do sistema.

Optei por não suspender os módulos nesse primeiro momento. Toda a estrutura proposta é totalmente adaptável a qualquer topografia. Como ainda não há um determinado terreno a ser trabalhado, me contive em mostrar o sistema; mostrando e refletindo sobre o mesmo fica clara sua adaptabilidade topográfica.

Nessa OPÇÃO 1, o acesso é feito em um módulo de multi-uso. Nesse espaço se espera explorar um área de convívio mais social ou de distração e confraternização, uma vez que o programa atende o perfil de uma pessoa que mora sozinha, e que por sua vez necessita de espaço mínimo para funções pessoais e profissionais. O espaço procura permitir que o morador possa tanto receber clientes e festejar com amigos. Há também integração direta com o dormitório, através de porta de correr. Pode-se ampliar esse espaço para visitas mais íntimas ou pela livre circulação, simplesmente.

O dormitório integra-se com esse espaço como também agrega juntamente com o corredor modulado (1,5m x 3m), uma mesa escamoteada para a execução de seus trabalhos e está diretamente ligado ao módulo do banheiro (1,5m x 3m) permitindo um espaço íntimo bem resolvido com móvel de estocagem e individualidade nos usos das peças sanitárias.

Circulação dormitório/banheiro.

A cozinha se resume ao espaço de preparo, estocagem e refeição, basicamente em um módulo de (1,5m x 3m) e se liga a área de serviço com as mesmas dimensões.

Circulação sala/cozinha/área de serviço.

Estudo inicial da cobertura com telha termo acústico. Inclinação= 7% e quedas d'água.

A OPÇÃO 2 (58,5 m² casal sem filhos – DINC), continua necessitando de apenas um dormitório, porém a necessidade de espaços para trabalho aumenta, uma vez que ambos trabalham fora e em casa. É necessário respeitar a individualidade profissional de cada um, com espaços mais particulares, porém mantendo intimidade e convivência. A cozinha, a área de serviço e o banheiro permanecem tal como na OPÇÃO 1, uma vez que a utilização desses espaços

continua não sendo de forma muito intensa.

Estudo de planta baixa e layout para a OPÇÃO 2.

Estudos de planta baixa, layout e elevações para a OPÇÃO 2.

Processo.

Planta Baixa OPÇÃO 02 - esc.: 1:50

Corte AA OPÇÃO 02 - esc.: 1:50

Corte BB OPÇÃO 02 - esc.: 1:50

Perspectiva OPÇÃO 02

Interior OPÇÃO 2

Pensando na necessidade de um espaço que propicie conforto e sobriedade para a execução de trabalhos, o acesso a residência acontece em um módulo reservado para um escritório, e local de estudos. Esse espaço se justifica, pois ambos trabalham e necessitam de espaço para que suas ações profissionais sejam executadas e para que no mesmo possam receber clientes de modo particular.

Nesse programa também surge necessidade para uma área de convívio, tanto do casal, como para amigos e familiares de passagem. Portanto um módulo é criado para atender como sala de televisão.

Os módulos são equipados por móveis de estocagem e o banheiro continua permitindo intimidade a cada um, preservando o espaço íntimo comum.

Estudos de circulação e estocagem na OPÇÃO 2.

Estudos inciais de cobertura da OPÇÃO 2, porém foi corrigida.

A OPÇÃO 3 (72m² família nuclear) é composta por pelo menos três pessoas, o casal e pelo menos um único filho. Para tanto é importante ressaltar a necessidade ainda maior de flexibilidade espacial, uma vez que há possibilidade de mais filhos e de pessoas na habitação. Portanto para este programa é necessário que se tenha resolvido no mínimo 2 ambientes fixos para dormitório; espaço multi-uso mais flexível; maior e melhor circulação e um espaço destinado às refeições e ao convívio familiar. A cozinha e o banheiro na maneira que foram pensados para os outros programas ainda aqui resolvem tranquilamente às necessidades citadas, pois principalmente o banheiro compartimentado não gera conflitos com a quantidade suposta de uso.